miércoles, 30 de junio de 2010

ESPANHA, OLÁ E OLÉ


Conhecemos pouco do país vizinho, interessamo-nos pouco pelo país vizinho, e no entanto temos na cabeça alguns clichés de que não prescindimos deste "povo da pandeireta, que fala alto e depressa"...
A ignorância é sempre atrevida e nós empenhamo-nos em ignorar Espanha!
Referir-se ao carácter espanhol em abstracto é como falar da sua comida com um só adjectivo, porque não há uma cozinha espanhola, há a cozinha galega, asturiana, vasca, navarra, catalã, valenciana, castelhano-manchega, madrilena, estremenha, andaluza...E muchas das comunidades com a sua língua própria para uso local (e o desejo firme de conservá-la!).
Não se pode passar por alto, por exemplo, a espantosa guerra civil que sofreram (1936-39) e como marcou as suas vidas, fisica e psicològicamente, enquanto nós, ou alguns de nós pelo menos, eu incluída, vivíamos uns tempos de relativa abundància e sossêgo. Em Espanha podem-se ouvir e ler ainda hoje histórias em primeira pessoa que produzem horror e espanto, feridas que não acabam de fechar, mortos que esperam em terrenos baldios a redenção da sua memória e do seu sacrifício. E isso apesar de que todos querem poder esquecer esse pesadêlo, só que para algumas pessoas ainda não é fácil nem possível.
O povo espanhol é veemente e apaixonado, capaz de matar mas também de morrer por aquilo em que crê, com uma capacidade assombrosa para vivir a Festa, desde "Los San Fermines"de Pamplona, cantados e vividos por gente como Hernest Hemingway ou Orson Welles ao flamenco mais puro de Camaron de la Isla, esse cigano cujo duende percorreu o mundo.  
Sobre a Espanha profunda escreveram escritores da talha de Cervantes, Quevedo ou Lorca, pintaram Velazquez. Goya, Picasso ou Dali, compuseram Manuel de Falla, Albeniz, Granados, Joaquim Rodrigo, fizeram filmes João António Bardem, Buñuel, Berlanga ou Carlos Saura, por citar só algumas das fontes desta água que valeria a pena beber de vez em quando.
No ensino primário espanhol não se fala das batalhas com os portugueses — e não é que me pareça bem ou mal, mas talvez isso explica que não haja um espírito anti- luso: os espanhóis estão tão ocupados em pôr ordem no seu país multicultural e nas suas próprias vidas, que quando olham para o pequeno país siamês vêm simplesmente a uma nação unida, amável e verdejante, bastante mais fácil de governar que a sua .
Espanha é um mundo de paixões encontradas que quer viver, sem tempo para replantearse a História   se um tal D.Afonso Henriques tivesse estado quieto...
Convem recordar que o país que hoje vemos foi-se conformando aos poucos: com o casamento de Isabel de Castela com Fernando de Aragão, uniram-se esses dois reinos , e é então que no estrangeiro se começa a usar a expressão ”Reis de Espanya” referida aos que passaram à história com o título de “Os Reis Católicos”, e que anexaram Navarra, Catalunha, e por fim Andaluzia, com a caída de Granada. Não pretendo dar uma lição de história, que está no Google bem completinha, mas recordar simplesmente que só com a chegada do Imperador Carlos V, coroado em 1518 “Carlos I de Espanha e V da Alemanha" se fala pela primeira vez duma nação espanhola. Isto vem a significar que, sendo os espanhóis já por si o resultado de múltiples unificações, não estão para nada atentos à História de Portugal, país que consideram um bom vizinho, que já "era" quando eles “fôram”.


E isto é o que há, e posso dizê-lo de boa tinta, porque vivo há quarenta anos em Espaha, e tenho dois filhos espanhóis...

lunes, 28 de junio de 2010

CARTA DE UMA DESCONHECIDA






obra de Edvard Hopper


Hoje estreio este blog, que crio como uma espécie de sala de visitas para receber alguém que chegue de repente com o resto da casa desarrumada.
Tenho fobia aos  compromissos, nunca escreverei com método e regularidade, mas para começar deixo aqui a carta duma mulher "exilada voluntaria"em Espanha há quarenta anos... 


CARTA A UMA AMIGA VIRTUAL


"Os desígnios da Providência são inescrutáveis", nada acontece porque sim, eu devo ter chegado aqui sem querer chegar, mas no fundo querendo, ninguém me obrigou, deve haver uma razão mais forte que as minhas intenções e julgo bem que responde a uma certa necessidade de regresso — não físico, que seria mais fácil. De certa forma trata-se de recuperar uma parcela de mim a que o destino não deu nenhuma saída.
Não quero pôr-me intensa, mas a verdade é que estou a reviver consigo coisas que estavam completamente adormecidas — o meu português escrito, por exemplo, que não praticava desde que o telefone começou a ser de graça, e que é endiabradamente parecido com o espanhol (devo confessar que quando você reconheceu as minhas faltas de ortografia me senti como o leão moribundo da fábula, deu-me uma guinada o orgulho...porque eu também sou de Letras e também fui uma boa aluna, palavra). 
Enfim, querida desconhecida, é bom falar-lhe do que gosto, do que penso e do que sinto e saber que me compreende. Compartir é tão estupendo como difícil, com os que estão à nossa volta nem sempre é possível, a gente cria uma imagem de dura, os amigos estão noutra onda, os filhos começam a estar longe mesmo quando estão perto, etc!
Um dia encontrei-a aqui por essas casualidades da vida e pensei, "porque não? talvez funcione, quem sabe..." Puro instinto. 
Beijinhos