Quando tinha vinte anos, li a novela de Somerset Maugham "Servidão Humana", que venho citando desde então entre os meus livros favoritos, porque sem dúvida foi para mim uma das leituras que me mais me chegou, é uma belíssima exaltação do amor irracional , cego e insensato.
Emociona, mas não convence, pois na vida real essas grandes paixões não correspondidas, cada vez encontram menos cabida.
Trata-se das desventuras de um homem coxo, um médico muito inteligente e culto, sensível e generoso, introvertido e cheio de complexos. Apaixona-se perdidamente por uma mulher vulgar, magra e macilenta, grosseira e quase analfabeta, à qual suportará humilhações de todo o tipo , sendo explorado material e sentimentalmente, e vítima de chantagens emocionais, traições e humilhações constantes. Quando por fim essa pessoa, Mildred, lhe faz o favor de deixá-lo, porque já conseguiu arruiná-lo completamente, Philip Carey encontra uma vida agradável ao lado de uma mulher valiosa em todos os sentidos, que sabe querer e apreciar as suas enormes qualidades.
O livro acaba com um passeio tranquilo do protagonista por uma rua transitada, onde de repente avista uma mulher de costas que confunde com Mildred , e o coração ainda lhe estremece, o que lhe faz compreender que nunca deixará de amá-la completamente.
Estas histórias tão comovedoras e masoquistas, são cada vez menos possíveis numa sociedade laica e informada, onde se procura sofrer só o imprescindível, que às vezes infelizmente, já é bastante!
No entanto ainda há por desgraça demasiadas pessoas, sobretudo mulheres, que amam com cobardia, que às vezes tardam demasiado tempo em compreender que se o amor não aporta uma satisfação pessoal , é porque não vale a pena, não compensa, e que devemos arrancar do coração a quem não nos provoque mais que amargura.
O amor incondicional não é inteligente, há sempre condições inegociáveis — o respeito, o carinho, a comunicação! "Negar palavras implica abrir distâncias" (M. Benedetti)
A pessoa que quer de verdade, não deve jogar com as debilidades do outro , fazer sofrer sem necessidade é incompatível com o amor verdadeiro — por isso todo o sentimento que não dá asas escraviza, situa-nos num servilismo indigno que nos mina a auto-estima!
Quando se entra no inferno da dependência afectiva, é quase sempre por temor a enfrentar-nos à vida e a nós próprios, o que acabará por provocar-nos mais ansiedade, e que a outra pessoa possa abusar fàcilmente dessa situação de inferioridade que nós mesmos criamos, pois a dependência afectiva não nos deixa crescer por dentro!
Outro dia falarei talvez de "amores amorosos"... mas já que vou de pessimista, deixo uns versos de Eugénio de Andrade, que têm toda a beleza poética de um irremediável e frio desconsolo...
A tua vida é uma história triste.
A minha é igual à tua.
Presas as mãos e preso o coração,
enchemos de sombra a mesma rua.
A nossa casa é onde a neve aquece.
A nossa festa, onde o luar acaba.
Cada verso em nós próprios apodrece,
cada jardim nos fecha a sua entrada.
O amor é sem dúvida uma loucura,amar a pessoa proibida,amar a pessoa impossível!Obrigado pelos seus artigos,sempre bonitos e sensatos.Espero que goste deste poema de Augusto Blanca,que me apetece muito mandar-lhe...
ResponderEliminar"Defendo os amantes perseguidos,
os amantes de encontros clandestinos,
os amantes de tanto desatino,
os amantes difíceis,
profanos.
Defendos os amantes que se escondem
e desbordem em rápidas carícias:
os furtivos, urgentes, os amantes arriscados, possessos e valentes.
Defendo os amantes verdadeiros,
os que assumem o risco da noite,
os desnudos amantes perseguidos,
os amantes de parques apagados,
os amantes camuflados, os defendo, os cuido, os invejo."
Obrigada pelas suas palavras.Eu também defendo e invejo os amantes verdadeiros,claro.Gosto do Augusto Blanca!
ResponderEliminarVim ver e tinhas "desaparecido"... Voltei agora.
ResponderEliminarLembro bem esse livro, mas acabei por preferir "O Fio da navalha",que reli há pouco.
Esses sentimentos arrebatadores podem ser às vezes egoístas, outras masoquistas. Mas existem e existirão sempre.
Gostei muito dos versos do Eugénio de Andrade, grande poeta do amor puro, às vezes infeliz.Mas nem sempre
"A nossa casa é onde a neve aquece./A nossa festa, onde o luar acaba."
Bonitos versos.
E o Verão por aí????
Um beijo grande
O verão por aqui está-se a portar bem,de momento. Beijinhos
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